Falando-se em Cidades e Vilas de excelência (se é que tal existe), não resisto a citar o caso do centro histórico de Óbidos, como um exemplo do que não se deve fazer na gestão e conservação do património.
Uma peça importante na política de património do Estado Novo criada por António Ferro, centrada na edificação de uma Pousada modelo dirigida pela estrela de Music Hall Luísa Satanella, que implicou logo algumas opções discutíveis na reconstrução (e parcial destruição) da muralha anteriormente existente.
Óbidos foi desde então conservada coberta de cal esbranquiçada, uma vila alentejana implantada na Estremadura, dentro de uma redoma de pastiche, por vezes sem bom gosto e sempre sem criatividade, construindo-se de novo o que se achava parecer o antigo.
Óbidos tem muito poucas peças arquitectónicas novas de qualidade e muitas sem qualidade. O critério da integração no conjunto não é suficiente: uma paisagem agradável esgota-se em cinco minutos.
As autoridades competentes tentaram no início dos anos noventa uma classificação como património Mundial da UNESCO, tendo rapidamente desistido, ou por perceberem que o projecto tinha logo começado mal, ou porque se julgou que esta classificação era dispensável dados os objectivos em vista.
Um desenfreado comercialismo, uma exposição e acessibilidade excessivas causada pela rede viária construída, vieram causar a sobreutilização por uma massa de visitantes esmagadora, que constitui um factor de degradação social e patrimonial.
Esta politica culminou numa lógica sistemática de organização de grandes eventos, que leva a Óbidos massas humanas que se aproximam dos limites que a complexa estrutura arquitectónica medieval pode fisicamente comportar.
Tudo isto gera uma área de serviços de apoio desmesurada dentro ou junto ao centro histórico, nomeadamente vastos parques de estacionamento, grandes zonas de diversão dentro da Cerca do Castelo (objecto de um projecto de construção nos anos 80), que descontextualizaram e descaracterizaram a antiga urbe.
O afluxo de turistas, a maioria de passagem, congestiona de tal forma o acesso à Vila que os poucos moradores permanentes e pessoas que têm na Vila segundas residências, como eu próprio, têm grande dificuldade em organizar a sua vida, tornando-se infernal mantê-las a funcionar e viver nelas com um mínimo de tranquilidade.
Neste sentido, o afluxo turístico é também um factor de desertificação, conferindo a Óbidos um horário e ruído de um Centro Comercial, que efectivamente é, uma Medina com uma multiplicidade de bazares quase todos idênticos, casas decadentes (quando possível adquiridas pela autarquia para serviços), instalações hoteleiras na sua maioria incaracterísticas e camas no regime de economia paralela.
Esta pretensa animação, com custos ambientais e patrimoniais tão elevados, seria aceitável caso dela adviessem mais valias que pudessem ser aplicadas na melhoria do bem estar da população, em obra social ou cultural. No entanto quando se compara o nível de vida da maioria dos obidenses com o dos concelhos circunvizinhos não se vê grande diferença: não estamos perante um Mónaco ou Lichenstein, nem sequer uma Ilha da Madeira...
Por outro lado, a nível cultural não se nota uma politica consistente, tendo mesmo sido desastradamente extinto o pequeno mas muito competente Museu que fora criado nos anos sessenta com o apoio da Fundação Gulbenkian, desenhado por José de Sommer Ribeiro, substituído por projectos museológicos pouco avisados.
Algumas obras necessárias foram recentemente realizadas, como a requalificação e protecção da encosta Norte do castelo, mas parecem no entanto carecer de critérios de planeamento paisagístico apropriados.
É inegável que em Óbidos esta explosão gerou um incremento de actividade económica e um acréscimo do emprego. É discutível no entanto a actividade esteja a ser desenvolvida de uma forma sustentada e sem destruir as estruturas sociais e culturais necessárias para assegurar a médio prazo a vida da comunidade.
Ao mesmo tempo que se cria condições insustentáveis de habitabilidade no centro histórico de Óbidos, germina a construção de vastos condomínios, projectos de segunda habitação de maior ou menor luxo, com e sem a assinatura de arquitectos conhecidos, que se pretende vender a preços especulativos, utilizando mais uma vez a marca Óbidos. Grassa também a indústria das pedreiras, que desventra as colinas circundantes à do grande castelo.
Desta forma:
1. O centro histórico está a ser destruído por dentro, mantendo-se apenas como fachada ou cenografia.
2. A região está a ser danificada do ponto de vista ambiental, através das pedreiras, de uma construção excessiva nas diversas povoações e nomeadamente através de resort de luxo que substituem a florestação e a estrutura dunar na orla marítima.
3. Não se vislumbram à primeira vista resultados significativos da criação de mais valias, através de uma melhoria das condições de vida da população, que justifique os prejuízos causados.
Quando se aproximam as eleições autárquicas era conveniente que os diversos candidatos optassem por promover a qualidade e preservação do valioso património ainda existente, acalmando pressões imediatistas na Vila e Concelho de Óbidos.