domingo, 4 de julho de 2010

ORWELL TINHA RAZÃO

E como acontece com a maioria dos visionários só uns poucos acreditam nas suas previsões. E, pragmaticamente, assim deve ser, pois nem tudo o que por aí se pretende adivinhar se torna realidade. Neste caso concreto inclusive parece que ainda ficou curto no seu pessimismo. Sinto que, por culpa das pessoas, de quem organiza, programa, descobre e não manipula devidamente, a informática nos está escravizando minuto a minuto.

Penso que qualquer um de nós já teve alguma experiência desagradável com ordens recebidas deste equipamento impessoal, que sempre tem razão. Duvido que haja quem desconheça notificações oficiais, sejam do ministério das finanças ou de outro organismo qualquer, em que se informa de ter cometido uma falta “terrível” sancionada com coimas, multas e até possível pena de prisão, quando depois de suar quente e frio, o visado, que desde o primeiro minuto sabe que ali há qualquer coisa que não bate certo, e depois de andar seca e Meca para tentar corrigir o engano, deparando sempre com caras carrancudas pouco dispostas ao ajudar, se teimar e tiver sorte chegará ao ponto de, entre dentes, lhe esclarecerem que se tratou de um “erro informático”. Que traduzido em linguagem normal quer dizer que um operador atrapalhou os dados que introduziu e o prémio calhou a quem nada tinha que ver com o caso.

Por outro lado a existência destes maravilhosos programas oferece umas desculpas novas a quem não está para atender argumentações. As tais que até há pouco tempo constavam da panóplia dos cidadãos, e que existindo honestidade e boas maneiras de ambos lados eram suficientes para chegar a bom porto.

Esta semana aconteceu-me ficar metido numa situação tipicamente enervante. Por indicação da minha mulher (agora o termo correcto a usar é o de esposa. Quero lá saber! é a mesma pessoa…) desloquei-me até às Caldas da Rainha com o propósito de comprar um livro que ela desejava oferecer a uma amiga, por ocasião do seu aniversário. Nas livrarias de rua, que são poucas, não encontrei, e acabei por me dirigir ao malfadado centro comercial, tão lindo, espaçoso, luminoso, com escadas rolantes daqui para ali, e de ali para aqui, tudo tão do agrado do entusiasta cidadão.

Na magna livraria Bertrand tinham uma considerável pilha daquela obra, de modo que não tive qualquer problema em pagar e levar um exemplar, devidamente embrulhado e ensacado. Ainda me ofereceram um cartão de fidelização de cliente, no qual imprimiram um carimbo com a compra correspondente. Maravilhoso. Infelizmente, se por um lado a minha mulher tinha acertado em pleno nas preferências literárias da amiga, a pessoa homenageada tinha-se adiantado e comprara com anterioridade a mesma obra. De modo que se tornara pertinente ir até à loja solicitar uma troca. Tudo isso no espaço temporal de três numerosos dias. Como seja que a senhora nossa amiga tinha que se deslocar às Caldas com o marido, aproveitamos para ir juntos, e assim ela poder escolher pessoalmente outra obra que lhe agradasse, evitando mais uma pífia.

Levávamos o livro, o embrulho, o saco e o caderninho de fidelidade. Ah! Faltava o talão da caixa! Que tinha ido para o lixo juntamente com outros papelinhos semelhantes que trazia no bolso. Não, mil vezes não. Sem o talão o sistema informático não permitia a troca. De nada serviu que se argumentasse tudo o que nos viesse à cabeça, nem sequer que podiam ficar com a caderneta de fidelização pois não era com aquelas atitudes que se podiam fidelizar clientes. Nem tentar lhes fazer entender que éramos nós, os clientes em geral, quem lhes garantia o ordenado, pois que sem compradores aquele local fecharia a porta e eles iriam apanhar ar puro para a rua. Nada os demoveu. A informática é que manda, e não as pessoas!

Já passada uma hora, ou mais, lembrei que na máquina registadora existia uma fita na que figurava a cópia daquela venda. Mas como imaginei que aquele pessoal estaria disposto a argumentar o que fosse para se manter firme na sua posição, optei para não voltar. E não voltarei jamais. Perderam cinco clientes aquele dia. Isso é que é fidelizar!

E os casos que dão razão ao falecido Orwell são aos milhares.

Passem bem, e evitem a Bertrand. Obrigado.

Virella

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