domingo, 4 de julho de 2010

TO BE OR NOT TO BE

Poucos dias atrás utilizei esta mesma expressão, aportuguesando de um modo excessivamente galhofo, mas o texto de hoje pede, quase que por necessidade imperiosa, que o retome. Desta feita com todos os matadores.

Para facilitar a entrada num escrito que antevejo será enrevesado, adiantarei que a ideia é a dificuldade que o observador pode sentir em conseguir que aquilo que ouvimos da boca de um indivíduo/a determinado se encaixe com o que faz. Não é raro que as duas facetas não se correspondam e se, numa primeira conclusão, podemos ser levados a concluir que nos estão a enganar, que aquilo é falso, eu, com uma dose de ingenuidade e dando o aconselhado benefício da dúvida, ainda posso aceitar a hipótese de que a tal pessoa nem sequer tem aquela duplicidade de um modo premeditado, ou seja, que ele não se consegue identificar.

Suponho que um dos grandes problemas existenciais que uma pessoa pode ter será o de não conseguir definir-se intimamente com clareza; o de ficar numa pertinaz indecisão sobre si próprio. O hábito orientou-me os dedos para escrever como se o assunto se restringisse ao homem, o macho da nossa espécie, mas honestamente creio que devemos, também nisto, considerar que a mulher deve ter iguais ansiedades. E caso não as sinta, mesmo que sofra por outras, melhor para as nossas companheiras na Terra.

Um planeta que hoje podemos ver como uma grande Arca de Noé, uma nau espacial na qual navegamos num rumo que nos é determinado pelas forças da natureza, mas que os tripulantes em vez de fazer o possível para guardar todas as espécies, vamos deitando pela borda fora aquelas que, por vezes, não só não nos incomodam como até nos fazem falta.

Retomando a caminhada. A indecisão pessoal, aquela cuja existência não nos atrevemos admitir, e muito menos dar a conhecer, pode centrar-se em diversos caracteres, desde a sexualidade ao envolvimento político-social.

Neste momento não pretendo dissertar sobre as questões ligadas ao sexo, apesar de serem muitas mais do que aquelas que tem estado nos cabeçalhos recentemente. Só deixarei a pista, que todos conhecem, da influência muito intensa que, neste campo, tem tido não só a educação recebida, como o agressivo espectro de preconceitos e rejeições que existem na sociedade. É velho e novamente actual, o tema da homossexualidade. Precisamente por se falar tanto neste tema sinto que ofusca a existência de outras muitas situações problemáticas neste campo. Sem ser exaustivo deixo alguns dos chamados desvios sexuais que sempre podem conduzir a um estado mental traumático quando exista a tentativa de combinar os instintos e o raciocínio. Existem dezenas de obras, umas mais ligeiras e outras mais aprofundadas, que vos podem elucidar acerca destes vários impulsos, desde a infidelidade compulsiva, a necrofilia, o bestialismo, ao voyeurismo, a pedofilia, a frigidez, o fetichismo, etc. Todos eles são temas desagradáveis e que, se os pretendemos tocar seriamente, nos é habitual fazer com bastante reserva, com recato ou sigilo.

Menos agressivo, sob o aspecto da moral social politicamente correcta, é precisamente o campo da política, no qual eu punha a mão sobre o lume convencido de que todos temos alguma experiência sobre o que me levou a escrever.

Deparei-me, nesta vida relativamente longa, com várias pessoas que me deixam a impressão, a que já me referi linhas atrás, de que não sabem a quantas andam. Para esta análise é indiferente o ponto de partida sob o qual tentamos comparar o dito e o feito. Num mero exercício académico imaginemos um sujeito que sabemos, sem dúvida alguma, que o seu comportamento está orientado para o mais acérrimo conservadorismo, que, sendo coerente, jamais o ouvimos advogar com convicção sobre os excessos que, por parte de quem mais ordena, exerçam sobre as camadas mais desfavorecidas; que nunca lhe ouviremos referir uma repulsa credível sobre um caso concreto que penalize um desgraçado, mas tampouco vemos que este íntimo o coiba a se apresentar como um apoiante cego de um socialismo, teórico e desnatado, que de uns anos a esta parte se move com excessivo à vontade entre nós.

O inverso também é possível de se observar. Há quem se bata pelos mais desfavorecidos, sem pretender outra gratificação do que aquela que o seu íntimo lhe proporciona, por considerar que está fazendo o bem de um modo totalmente altruísta, desinteressado, com aquela humanidade que julga, e com razão, que devia ser o modo de comportamento normal. Mas pode acontecer que conhecendo bem esta pessoa se saiba que na sua essência é um conservador total, instintivo. Não podemos, a meu critério, julgar mal uma pessoa com este carácter, embora também no seu caso exista uma dualidade na personagem.

Aos meus incógnitos seguidores um aviso: nunca pensem tentar esclarecer alguém em quem apreciem de que apresenta os sintomas que esquematicamente aponto. Jamais lhe agradecerá, e perderá um possível amigo ou simples conhecido. Fique-se com a noção de que as pessoas só muito raramente mudam de modo de ser. É mais fácil deixar de ser incitador da ocupação de propriedades e passar a sentar-se no outro sector do hemiciclo do que alterar o instinto.

Sinto que não devo terminar sem um apontamento vivido. Não é nada de extraordinário que, depois de batalhar pelo bem de pessoas que se encontram em patamares inferiores, estes nos “mordam a mão”. O rifoneiro diz, ao respeito: Cria o corvo, tirar-te-á o olho.

Passem bem, e não aqueçam a cabeça. Ponham uma chapeleta.

Virella

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