sábado, 9 de janeiro de 2010

Finado

Será que o regime morreu? A III República portuguesa estará morta? Ainda ninguém reclamou o corpo, porque as certidões de óbito - em política - demoram a chegar. E, neste caso, estamos a falar de três certidões, ou seja, vivemos num regime que morreu três vezes.

A primeira morte é económica. O modelo socialista/social-democrata/democrata-cristão, centrado na caridade do Estado e na subalternização do indivíduo, está falido, e brinda-nos com recessões de quatro em quatro anos, para percebermos que o nosso Estado é, na verdade, a nossa forca. Através das prestações sociais e das despesas com pessoal, o Estado consome aquilo que a sociedade produz. Estas despesas, alimentadas pela teatralidade dos 'direitos adquiridos', estão a afundar Portugal. Sabemos que esta verdade é um sapo ideológico que a maioria dos portugueses recusa engolir. Mas, mais cedo ou mais tarde, o país vai perceber que os 'direitos adquiridos' constituem um terço dos pregos do caixão da III República.

A segunda morte é institucional. Portugal não tem um regime político com freios e contrapesos. O partido da maioria, seja ele qual for, controla todas as instituições do regime; vivemos numa espécie de 'ditadura conjuntural' do partido da maioria. Por outro lado, Portugal é um Estado de direito falhado: a nossa Justiça é um embaraço confrangedor. A geração que está no poder construiu a democracia. Cabe à geração seguinte edificar o Estado de direito.

A terceira morte é partidária. O nosso sistema partidário tem a vitalidade de um zombie, pois não responde às necessidades da sociedade. Porquê? Ora, porque os partidos portugueses representam os interesses do Estado e não os interesses da sociedade. Portugal precisa de reformas que emagreçam o Estado, mas os partidos são os primeiros a recusar essas reformas. É natural: o emagrecimento do Estado significaria o fim de milhares e milhares de empregos para os boys.

A necessária dieta estatal passaria, por exemplo, pela reforma do mapa autárquico. A actual arquitectura do poder local assenta em pilares arcaicos. Em 2009, é simplesmente ridículo vermos o país dividido em 4251 freguesias e 308 municípios. Como é que um país tão pequeno está esquartejado desta forma? Esta situação chega a ser caricata, mas os partidos nunca executarão mudanças no mapa autárquico. É fácil perceber porquê: com menos câmaras e freguesias, as matilhas de caciques seriam obrigadas a sair do quentinho partidário e a procurar trabalho no frio da vida real. Enfim, a III República está bloqueada. Os actores que deveriam ser as alavancas legítimas das reformas - os partidos - são os primeiros a dizer 'não' às ditas reformas.

Para esconder as três mortes do regime, os partidos inventaram um mecanismo de defesa: o folclore fracturante. A actual conversa sobre o casamento gay é só mais uma forma de adiar a chegada do médico legista da III República, o regime que morreu três vezes.

Contributo de um leitor

2 comentários:

Albert Virella disse...

Todo o escrito é merecedor de uma leitura atenta, se bem que eu deti-me mais no terceiro ponto, e mais concretamente na hipótese de que existem concelhos e freguesias em excesso, ideia que comparto.

No caso concreto de Óbidos eu prevejo que, mais cedo ou mais tarde, vai ser incorporado no municipio de Caldas da Rainha, por uma simples questão de diferença no peso relativo e na exigência inevitável de vir a reduzir custos de gestão.


Mas não julgo que isso aconteça de um momento para outro. Seria necessário que pressões vindas de Bruxelas empurrassem neste sentido, com tal força que se sobrepusessem às vontades partidárias e orgulhos locais.


Virella

Anónimo disse...

É por isso que o TF quer ser candidato em Caldas, em 2013. Mas não conseguirá ...