quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Vai ser bonito

A REN (Reserva Ecológica Nacional) e a RAN (Reserva Agrícola Nacional) foram dois conceitos criados na década de oitenta, pelo então ministro da Qualidade de Vida, Ribeiro Telles, para proteger da urbanização os terrenos de maior valor ecológico e agrícola, bem como aqueles onde seria perigoso construir.
O objectivo era, do ponto de vista da espécie humana, garantir que continuamos a ter o que beber (salvaguardando os cursos de água e afins), o que comer (preservando os terrenos mais férteis) e onde morar (evitando que a nossa casa seja evadida pelo mar ou por uma cheia, ou se desmorone montanha abaixo).
O problema começou quando se definiram as receitas dos municípios, ou seja, quando se decidiu de onde viria o dinheiro para gerir a Câmara Municipal. Simplificando, da construção vem dinheiro. Da REN e da RAN só vêm limitações (isto de uma forma imediatista).
Da mesma forma, acaba-se por impor uma espécie de jogo de azar aos proprietários de terrenos conforme a sua localização. Os que estavam fora da REN e da RAN eram valiosos e os que estão dentro ficam extremamente limitados nas suas opções e pouco poderão ganhar com isso. Obviamente que o jogo não é justo para estes últimos, que têm a missão de gerir o nosso património comum mais importante.
Resultado? Especulação imobiliária. Corrupção. Desigualdade social. E a RAN e da REN, em vez de serem consideradas áreas de valor, passaram a ser considerados obstáculos, alvos a abater. Qual a saída? Terá necessariamente que haver uma maior intervenção pública no mercado imobiliário. Terão que ser criados mecanismos para que os proprietários de terrenos de RAN ou REN, agora integrados na chamada Estrutura Ecológica Municipal, sejam devidamente compensados financeiramente por serem guardiães destes tesouros colectivos. E onde ir buscar dinheiro para estas compensações? Naturalmente à maior fonte de dinheiro fácil deste País: ao lucro de quem constrói.
Quanto à gestão das áreas da estrutura ecológica fundamental, há que aplicar a máxima “pensar globalmente, planear regionalmente e agir localmente”. Ou seja, é preciso ter uma visão nacional na identificação de prioridades e estratégias. A estrutura ecológica deve ser definida e delimitada ao nível regional. Finalmente a estrutura ecológica deverá ser gerida pelas Câmaras Municipais e pelos proprietários, por uma questão de proximidade.
Essencial será sempre a ampla possibilidade de participação do público em todos estes níveis de decisão.
Passar a gestão da RAN e REN para as autarquias!? Deve-se considerar essa hipótese, mas nunca antes de resolver o problema de base, ou seja, transformar mecanismos de obstrução de riqueza, em mecanismos geradores de receitas. Senão, e como obstáculos, estas áreas iriam simplesmente desaparecer do mapa. Ou seja, as receitas das autarquias não podem estar dependentes do volume de construção. Urbanização e Conservação têm que ter pesos semelhantes como fonte de receitas (e já agora nos investimentos). E só depois de mudar isto, é que se poderia passar a gestão destas áreas para as mãos das Câmaras. Contudo, gestão não é sinónimo de delimitação, do poder de desafectação ou de autorizar construções, que no fundo é o que está na proposta que recentemente irá se implementada. Gerir é promover práticas de agricultura sustentável, os usos múltiplos da floresta, garantir a boa qualidade das águas...
Mas quer queiramos quer não, a delimitação da REN vai mesmo ser efectuada e aprovada a nível municipal pelas próprias câmaras podendo-se excluir as áreas de construção já licenciada ou autorizada (mesmo que tal tenha ido contra a lei por estar em zona actualmente de REN), podendo ficar de fora da REN as áreas “destinadas à satisfação das carências existentes em termos de habitação, actividades económicas, equipamentos e infra-estruturas”.
Tal significa obviamente uma aplicação completamente discricionária e ampla em cada um dos municípios, não permitindo assim proteger os valores e promover a redução dos riscos associados ao regime da REN. Apesar deste último princípio já estar de certa forma contemplado na actual legislação, o facto de a aprovação ser efectuada pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) tem limitado as intenções expansionistas em termos de construção das autarquias, o que agora é ultrapassado.O regime excepcional revela numa das alíneas um dos verdadeiros objectivos do diploma – a realização de acções de relevante interesse público (onde claramente se incluem os PIN – Projectos Potencial Interesse Nacional) pode ser feita em REN, apesar de se afirmar que tal só é possível efectuar se não houver alternativa fora da REN (a justificação de que não há alternativa quando efectivamente existe tem sido utilizada frequentemente em áreas de Rede Natura, pelo que certamente tal será também o caso da REN). No: Naturlink
Donde se conclui, que a classificação do que está afecto à REN passa para competência e responsabilidade das Câmaras Municipais.
Sabendo nós como as coisas se passam por aí, a pressão imobiliária e o compadrio que se passa em muitos municípios deste país, será fácil de imaginar o aumento de construção que vai surgir por aí.
Dizem que as CCDR podem não aprovar que certas áreas sejam retiradas na REN, mas a nova lei também diz que, se não o fizerem num curto prazo que lhes é dado, a autorização é automática.
Também todos nos recordamos das autorizações especiais que foram dadas em nome do Projectos Interesse Nacional, ou famosos PINs e que depois se vieram a descobrir entrarem na área dos interesses.Essas assinaturas ainda os podiam incriminar, agora nem vai haver um responsável, basta não dizer não para se estar a dizer sim.
Em nome da simplificação processual ou delegação de competências, assistimos cada vez mais à responsabilidade da irresponsabilidade… em leis fáceis de contornar e que até têm mecanismos que convidam ao laxismo para aprovação tácita.

3 comentários:

Anónimo disse...

Vai ser bonito… lá isso vai.
Irá ser o golpe de misericórdia no urbanismo e a grande golpada para e especulação imobiliária.

Anónimo disse...

Até parece que pelo facto de tudo depender até agora (e vamos a ver se não continuará...)do Poder Central, o Ambiente no nosso País...tem sido um oásis.
Certamente que é necessário atenção, para evitar atropelos, e como têm acontecido atropelos também nestas areas, de norte a sul do País...(apesar de depender de Organismos Estatais...)
Acredito que sejam criadas formas de fiscalização, para evitar que tudo fique entregue à bicharada...
Mas também é necessário que comecemos a pensar e actuar mais activamente, para evitar que os poderes publicos possam ficar na mão de quem não tem compentencia moral ou qualidade profissional para deles fazer parte.
À partida, seja quem for que faça parte do Governo ou do Poder Autárquico é logo apodado de corrupto, de vigarista...de tudo e mais alguma coisa.
Essa maneira de pensar e actuar de uma grande parte dos cidadãos, levará concerteza a que cada vez mais, haja menos pessoas capazes a fazer parte desses Orgãos de Poder.
Quem é a pessoa decente e competente, que não pensará duas vezes, antes de se predispôr a servir a res pública (a coisa pública...), sabendo de antemão que o mínimo que lhe irão chamar será...ladrão, vigarista, corrupto e outras coisas mais...???

Algo vai mal em Portugal, mas uma coisa não podemos deixar de lembrar...somos nós que temos a facudalde através do voto...de eleger quem queremos...!!!

É bom que não o esqueçamos...!!!

Maximino

Anónimo disse...

Como é que alguém julga, que uma medida, como esta, vá trazer melhorias?
Não quer dizer, que neste momento, tudo funciona bem, mas estamos a falar literalmente, em passar de 'cavalo para burro'...!!!