
Para milhares de portugueses acender um cigarro passa a ser um acto proibido em todos os espaços públicos fechados. Locais de trabalho, centros comerciais, recintos de diversão, hotéis, restaurantes, bares e cafés, aeroportos e transportes públicos são alguns dos locais abrangidos. As multas para os prevaricadores ascendem aos 750 euros.
Proteger os cidadãos "da exposição involuntária ao fumo do tabaco” é o objectivo da nova lei, que pretende ainda mais “medidas de redução da procura”.
Posto isto, o que me preocupa é a vaga cultural que aí vem, da imortalidade, da saúde, do health club, da dieta e de um sentimento generalizado de ódio contra o fumador. Ser fumador será invariavelmente, na moral social, ser-se inferior ou, no mínimo, raça degenerada, à espera de ser resgatada do seu ínvio comportamento ou punida pela sua recusa primitiva em ascender à civilização. Ser-se fumador quase que equivale a ser um drogado, um junkie, uma pessoa sem força de vontade, um fraco, um pedaço de lixo, um peso para a sociedade, alguém que vai consumir em contas hospitalares os impostos pagos pelos outros.
Fumar não passará de um acto repugnável, uma falha moral, uma pessoa suja, decadente, nojenta, atentatória do bem-estar da nação, anti-social, em suma: uma pessoa má. O mal terá tomado conta dela, e o mal que passará a habitar nela é um mal perigoso, que poderá contagiar os outros e contribuir para a decadência generalizada da sociedade. Será um mal a extirpar, mais tarde ou mais cedo. Será uma pessoa com comportamentos de risco. E esse problema não será só dela, será dos outros, dos virtuosos (os saudáveis da virtude?), porque o virtuoso não quer o bem do outro, quer é não ter que o ver, quer é que ele não seja.
A partir de agora o fumador será o exemplo negativo a mostrar às crianças, o pária, o andrajoso, o papão.
Já foi o álcool, já foi o sexo, amanhã será outra coisa. A moral vulgar, a moral do estado-nação e a moral médica partilharão a razão das mentes virtuosas, para quem o verdadeiro problema não é – e nunca foi – garantir um equilíbrio de liberdades, garantir o seu direito a estarem em espaços sem fumo. Mentes para quem o verdadeiro problema é estarem rodeadas de sujos imorais. Gente que para lá da absoluta legitimidade de pedir ou exigirem para que não se fume em suas casas ou muito perto delas, não deixará de azucrinar com conversa antitabagista onde e quando quer que seja.
É impressionante ver como a sociedade se encontra completamente amestrada, com as pessoas a dizer todas a mesma coisa mas achando que ainda pensam com a própria cabeça, tendo os jornalistas um papel de destaque nesta moral saudável inquisitória em prol da saúde publica.
Este parece-me ser um ponto de não retorno importante. Os espaços passaram a ser todos vasculháveis, sejam públicos ou não.
Aquela discussão liberal de que as pessoas podem ceder alguma liberdade em troca de outra coisa nem faz muito sentido. Ninguém vê aqui uma perda de liberdade. O que se vê é um certo gozo por isto ser uma vingança sobre os fumadores, esses ogres doentios que precisam de ser exterminados a todo o custo.
Antigamente a PIDE perseguia quem era contra o regime, hoje as POLICIAS / CIDADÃOS irão perseguir os fumadores… não é difícil perceber que o cigarro poderia ser substituído por outra coisa qualquer e abrir-se caminho para uma sociedade totalitária.